NOTA DO COMDEPHAASC SOBRE A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI), QUE QUESTIONA A LEGISLAÇÃO MUNICIPAL DE PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DA CIDADE DE SÃO CARLOS
O Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Ambiental de São Carlos (COMDEPHAASC) manifesta o seu repúdio às ações que ameaçam a preservação do patrimônio cultural no município, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), movida pelo diretório estadual do partido trabalhista brasileiro (PTB), questionando a legislação municipal de proteção ao patrimônio histórico e cultural da cidade de São Carlos. A ação contesta o Anexo XIX da Lei n. 13.692/05, as Leis n. 15.276/10 e n.16.237/12, bem como o art. 6° da Lei n. 13.864/06.
No momento a ADI (2273915-69.2020.8.26.0000) está em fase inicial de escuta às instituições arroladas: Prefeitura Municipal de São Carlos e Câmara Municipal de São Carlos. O processo tem sido acompanhado de perto por este Conselho que manifesta sua preocupação com a Ação e adverte sobre as suas possíveis consequências à memória e à história local.
Salientamos, que as políticas e ações desenvolvidas em prol da preservação do patrimônio cultural no município de São Carlos foram fundamentadas em conhecimento técnico e executadas por profissionais qualificados, respeitando-se a legislação municipal vigente que coaduna com a Constituição Federal Brasileira de 1988, principalmente no que tange aos instrumentos legais relacionados ao parágrafo 1º, do artigo 216, o qual estabelece que o poder público, juntamente com a comunidade, "promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação".
Ações em prol da preservação do patrimônio cultural foram estabelecidas pela primeira vez por meio do Plano Diretor do Município de São Carlos de 2005 (Lei Municipal 13.691/2005) conjuntamente à definição de uma área de interesse histórico, constituída por uma poligonal. Para a delimitação desta poligonal foi necessário identificar alguns bens culturais na cidade, por meio da aplicação de inventários e uma metodologia fundamentada em critérios técnicos e teóricos, buscando contemplar a diversidade de tipologias, períodos históricos e estilos arquitetônicos do patrimônio do município.
Este processo exigiu a elaboração de diagnósticos e a aplicação de inventários sistemáticos, os quais foram conduzidos por arquitetos e urbanistas, historiadores e pesquisadores especializados no campo do patrimônio. Em seguida, respeitou-se as etapas de reunião pública, por meio de um processo transparente e de ampla discussão, que vislumbrou a comunicação entre os vários setores da sociedade, de modo a legitimar a identificação dos bens culturais do município de São Carlos. Assim, surpreende que, entre vários questionamentos legais, a ação de inconstitucionalidade insurge contra a metodologia de inventário, uma das ferramentas mais consolidadas de levantamento e avaliação de bens de interesse cultural utilizado no Brasil.
Também é importante mencionar um dos grandes desafios para as cidades nos dias de hoje, relativo a mudança de uso e a especialização funcional dos centros urbanos, transformando-os em centros de comércio e serviço, questões que comprometem as dinâmicas socioculturais destas áreas, com o esvaziamento de moradores. Assim, com o
objetivo de minimizar os efeitos deste fenômeno e favorecer um crescimento sustentável na cidade de São Carlos, foi elaborada a sua política de preservação do patrimônio cultural, associada às políticas de desenvolvimento urbano e incentivos fiscais do município.
A definição de instrumentos de preservação, conforme previsto na Constituição Federal, estruturou uma legislação avançada em relação a outras cidades médias brasileiras. Neste contexto, foi criado o Conselho Municipal COMDEPHAASC, foram aplicados instrumentos previstos no Estatuto da Cidade de 2001, articulados às políticas de turismo cultural na área rural e ao incentivo fiscal à conservação de imóveis urbanos. Os incentivos fiscais às edificações urbanas, com descontos ou isenção do IPTU, constituem uma política de preservação por meio da qual o poder público não deixa o ônus da conservação do patrimônio apenas às custas do proprietário. Com isto, buscou-se a proteção da paisagem de conjuntos urbanos, a valorização da identidade cultural da população e o respeito à sua memória social.
Considerando-se a importância do patrimônio em relação a identidade dos povos e às gerações futuras, e para garantir a vitalidade dos centros urbanos, os segmentos da sociedade brasileira, interessados na valorização do patrimônio cultural esperam respeito à Constituição, às diretrizes de preservação do patrimônio oferecidas por cartas, documentos e normativas nacionais e internacionais, e à legislação municipal com sua autonomia em relação ao que é considerado de interesse local.
Por fim, manifestamos nosso estranhamento com a proposição da Ação por parte do diretório estadual de um partido político, referente a uma legislação municipal de preservação do patrimônio. E, consideramos que ações desta natureza são uma grande ameaça à proteção dos bens culturais que, conjuntamente aos processos de desmonte que vêm ocorrendo nas instituições culturais brasileiras, solicitam uma reação da sociedade contrária a este processo.
São Carlos, 17 de maio de 2021.
Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Ambiental de São Carlos COMDEPHAASC